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Posts Tagged ‘sea’

O ponteiro dos segundos parou. Eram exatamente quatro horas, quarenta e quatro minutos e quarenta e quatro segundos. O céu enegrecido só aparecia ocasionalmente; só quando a corpulenta massa de nuvens permitia. O brilho quase incomum da Lua atrás das nuvens iluminava o mar de forma curiosa, pois exercia uma força tão incrivelmente bonita que fazia cada partícula da água brilhar suavemente. O doce azul turquesa pulsava como a respiração de uma tartaruga sob o manto aparentemente intransponível de água.

Olhando da mais alta sacada das redondezas, uma pessoa deveras inspirada se arrepiou. Como era bela aquela vista. No horizonte, quase fora do alcance da visão, colossais nuvens se deslocavam vagarosamente, como se estivessem marchando, migrando, e por onde passavam, despejavam seus inacabáveis litros de água. Ainda na composição daquele belíssimo quadro que pintor algum jamais conseguiu igualar, centenas de árvores de todos os tipos bailavam ao ritmo da brisa marítima em perfeita sincronia. Aquilo tudo se assemelhava à composição de um concerto, onde cada componente tem o seu papel específico para a execução de um número perfeito.

Voltando para o seu aposento, o rapaz se deitou. A cobertura do quarto era feita de vidro, e naquele momento algumas gotas apostavam corrida sobre a superfície ao mesmo tempo em que todo o resto atingia o vidro no compasso de uma composição de Schubert. Sua mente era uma tempestade, e nela, todos os pensamentos se chocavam. A poucos metros dele, em um outro aposento, dormia seu coração. Interessante como o fenômeno que acontecia lá fora era a constatação de que, mesmo a quilômetros de distância, ele podia senti-la deitando sua cabeça em seu abraço. Esse pensamento o fez bem.

Quando voltou do turbilhão que consumia sua mente, percebeu que o calor do seu corpo conseguira embaçar a vidraça, interrompendo a visão do céu chuvoso. Ele se levantou.

O lado de fora da casa estava silencioso, calmo, fresco e perfeito para uma caminhada noturna. Decidiu que um passeio o faria bem, e que queria chegar ao mar antes do amanhecer. Há muito ele não se sentia livre como se sentia agora. A noite e suas ruas eram inteiramente dele; nenhum transeunte à vista. Havia liberdade até para cantar em voz alta, e foi o que ele fez, recitando cada verso de suas músicas preferidas. Frutos da loucura, da paixão ou de sabe-se lá o que – nem mesmo ele sabia –, vozes vindas das árvores, dos ladrilhos, do céu e dos carros acompanharam-no em cada frase pronunciada, colorindo o ar da noite com notas musicais suavemente desenhadas que dançavam ao seu redor. Ali, sozinho, ele gesticulava e cantava intensamente para si e para aqueles que amava em sua própria apresentação particular.

Uma hora e meia depois, precisamente antes do nascer do sol, seus pés descalços tocavam a areia. Em uma mureta, escreveu uma mensagem romântica da mesma forma que aqueles que amam o fazem nos troncos das árvores. Dirigiu-se à água, e no meio do caminho encontrou uma concha, a qual colocou no bolso. Pegou também um punhado de areia e guardou em um frasco. Eram pequenos “acionadores de lembranças” que ele tanto gostava de colecionar; era a forma que ele havia encontrado para se lembrar de tudo aquilo que importava, no momento em que lhe conviesse.

Seus pés tocaram a água, e quando ela chegou à metade de suas pernas, ele parou. A água estava fria, e o brilho que ele testemunhou momentos antes havia desaparecido. No fundo de sua consciência, ele sabia que quando a Lua se fora, levara o brilho consigo. Mas alguma parte da mente dele não descartava a possibilidade de que tudo aquilo ter sido apenas fruto de seu desejo de presenciar e viver o belo, de desfrutar de momentos de paz e de transcendência.

Enquanto estava ali, na água, a tempestade em sua mente havia se acalmado; tudo em seu devido lugar. No lugar de todo aquele brilho, ele depositou seus desejos e esperanças. E o momento não podia ser melhor, pois um novo ano vem aí.

Autor: Rafael Mendes

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Peço perdão pelo atraso para postar a continuação da história. Tive que estudar durante esses dias, e por isso não pude atualizar o blog. Mas a continuação está pronta, e a espera, acabada.

Espero que gostem 🙂

Introdução

Quando uma borboleta levantou vôo naquela manhã para pegar um pouco de pólen, jamais imaginaria o que lhe aconteceria por volta das 17:30 da tarde. Suas asas vermelhas eram de tamanho mediano, e batiam suavemente no ar, fazendo-a se deslocar pela atmosfera.

Voava calmamente pela rua, sob o Sol quentíssimo que quase a fazia derreter, mas mesmo assim voava. Um carro passou bem perto dela, fazendo-a ser movimentada quase que violentamente pelo ar. Recompondo-se, pôs-se a voar para o fim da rua, onde havia um beco cheio de flores repletas do melhor pólen da região. Chegando lá, colocou-se sobre uma flor, e começou com seu processo de polinização.

Mas foi então que, em meio àquela calmaria, o ar começou a se agitar. Algumas folhas secas que antes estavam depositadas aos montes nos cantos das paredes do beco, agora voavam em circulo, como um furacão, envolvendo um casal aparentemente apaixonado. O chão começou a ficar rubro, e o vento tornou-se tão forte que ela já não podia mais se segurar na flor.

Foi sugada pelo vento, e tornou-se parte daquele furacão. Movimentava-se descontroladamente, fazendo todos os esforços para sair dali, mas o fez em vão.

Foi então que viu a moça no centro de tudo aquilo: olhos fechados, lindas madeixas loiras, pele de seda e um lábio carnudo que parecia um botão de rosa. Decidiu fazer um esforço. De repente poderia alcançá-la.

Bateu suas asas com todas as forças que tinha; fazia um esforço descomunal em busca de seu objetivo. E foi então, depois de tentar com muito esforço, que chegou ao centro de toda aquela ventania, pousando sobre os cabelos loiros daquela musa, ficando em paz e em segurança.

~

– Feche os olhos novamente, agora. – Disse ele, quando a ventania começou a ficar mais forte.

Ela o obedeceu, e fechou os olhos. A energia estava mais forte agora, e o processo, quase completo.

Quando sentiu sua alma pulsando com toda a energia, abriu os olhos, olhando-a.

Ela estava com seus olhos fechados. Seus lábios estavam mais vermelhos do que nunca, como se tivesse passado um batom fortíssimo, tamanho era o vigor que a dominava naquele momento. Sua pele clara brilhava, como se milhões de sóis nascessem sob sua pele. E um fato curioso chamou sua atenção: em meio a toda aquela ventania, toda aquela energia, uma borboleta havia pousado em seus cabelos loiros. Ela era mesmo uma musa, e tudo indicava isso.

Sorriu de leve e disse a ela que podia abrir os olhos, mas que não soltasse suas mãos.

Mais uma vez ela obedeceu.

– Está pronta?

– Sim, seja lá o que for.

Tudo era dito com uma troca de olhares intensa. E isso era algo importantíssimo, que o fazia ficar cada vez mais apaixonado. Ter aqueles olhos direcionados a ele era como uma bênção.

– Então segure firme em minhas mãos.

Ele sentiu a pressão em suas mãos. Não queria mais demorar, tinha que ir já. Caso contrário era provável que ele não pudesse mostrar a surpresa, ou que algo pudesse acontecer no caminho… E ele realmente não queria imprevisto algum naquele dia. De qualquer maneira, era melhor esquecer isso.

Para a surpresa dela, o chão começou a se soltar de seus pés, se é que vocês me entendem. Para ele aquilo era algo comum, exceto pela diferença de que estava voando com uma acompanhante agora.

Ela abafou um pequeno grito ao perceber o que estava acontecendo, e, arregalando os olhos, olhou para ele com um olhar extremamente expressivo, mas mesmo assim, ele não pôde ler em sua face qual sentimento a dominava naquele momento.

As mãos dela começaram a tremer nas suas, e ele rapidamente apertou o toque, encarando-a, como que dizendo: Tenha calma, você está comigo, e tudo ficará bem. Não deixarei que nada lhe aconteça. Eu prometo.

Um sorriso tomou-lhe a face, deixando-a agora com uma expressão serena. E foi nesse momento, quando ela manteve a calma, que ela sentiu aquela sensação única. A sensação de voar… segurando nas mãos do homem que a amava e a protegia. Do homem que tanto queria seu bem.

O doce toque de mãos, a brisa suave, o Sol de fim de tarde, os olhares apaixonados, o próprio vôo em si. Tudo isso não seria nada se não fosse por ela. Pois ela apareceu em sua vida como o Sol nascente no horizonte dos que estão perdidos na escuridão. E ele agora tentava retribuir, levando-a para um passeio no lugar que julgava ser o mais bonito de todos os que visitou em seus vôos.

Quando chegaram à altitude certa, ele soltou uma de suas mãos e vergou-se no ar, ficando na posição horizontal. Ela também voava, pelo menos enquanto mantivessem suas mãos juntas. Quando ambos colocaram-se na mesma posição, ele começou a voar em direção ao seu destino.

Era tão bom olhar para ela e ver que ela estava adorando o “passeio”. Ela sorria e olhava para todos os cantos, deliciando-se com a nova experiência.

– Não sei por que, mas todo o meu espanto pela novidade sumiu. Só sinto um êxtase maravilhoso por estar voando. – Disse ela, olhando para ele. Seus lindos cabelos voavam para trás por causa do vento. Isso o fez lembrar-se de um quadro pintado por Botticelli, O Nascimento de Vênus, que mostra, obviamente, Vênus no centro do quadro, com seus cabelos esvoaçando-se devido ao sopro de ar de Zéfiro, que a levou à Ilha de Chipre. E isso era uma bela coincidência, e ele sabia bem por que. E, em breve, ela também veria.

– Isso é muito bom. – Respondeu ele, com um sorriso no rosto. – Permita-me dizer que sinto a maior das felicidades por poder voar ao seu lado, segurando sua mão. É ótimo poder ter esse momento com você.

Os dois sorriram. Começaram a subir mais e mais, e ultrapassaram a enorme massa de nuvens. Um enorme objeto à direita chamou a atenção deles. Era um Boeing, um avião comercial com centenas de pessoas.

– Ih… Pelo jeito eu calculei errado a hora de subir… – Disse ele.

– Meu Deus… E agora?

Pouco a pouco as pessoas dentro do avião começavam a perceber o casal voador. Uma criança chamou sua mãe com grande excitação, mas ela estava dormindo. Acordou, mas não deu ouvidos. Ai ai… Essas crianças… Um casal voador?

Alguns flashs começavam a iluminar o interior do avião.

– Apenas acene e sorria.

Olharam para as pessoas lá dentro e simplesmente fizeram isso. Receberam vários acenos de volta.

– Certo… – continuou ele – Agora vamos acelerar um pouco mais. Estou me sentindo um animal em um zoológico. – Arrancou algumas pequenas risadas de sua musa ao dizer isso.

Aceleraram. Conseguiram ficar cada vez mais próximos de seu objetivo.

O mais interessante era olhar para ela e ver que a borboleta ainda estava ali, lutando para se segurar no meio de seus cabelos. Impressionante ver como ela conseguia ficar ali mesmo naquela velocidade.

Resolveram descer, chegar perto do mar, apreciar o imenso azul que os cercava.

Chegaram perto o suficiente para conseguirem tocar a água. Olharam para baixo e viram seus reflexos ali. Sorriram um para o outro. Foi nessa hora que ela percebeu a borboleta em seu cabelo. Levou a mão vagarosamente até lá, procurando não machucá-la.

– Nossa, tem uma borboleta aqui no meu cabelo. – Disse ela com um ar de surpresa.

– Eu vi. Ela estava aí desde quando nós começamos a voar.

– Será porque ela ficou aqui? Quero dizer, por tanto tempo?

– Você é tão linda, transmite uma paz e um amor tão grandes que ela se sentiu em casa. – Disse isso olhando no fundo de seus olhos.

– Você é tão lindo. Adoro as coisas que você diz.

– É tudo reflexo da inspiração que você me traz.

Sorriram. Olharam para o mar e, ao mesmo tempo, tocaram-no, deixando um rastro por onde passavam. A água estava não estava tão gelada; estava fresca, em uma temperatura ideal e refrescante.

Olharam para o horizonte e, onde antes havia a fusão entre mar e céu, agora havia terra.

– Olhe, uma ilha. – disse ela, sorrindo e apontando.

– É para onde vamos. – respondeu ele, também sorrindo.

Esse é o segundo post de três. O próximo será o último. Aguardem 🙂

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