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Archive for outubro \11\+00:00 2013

ImagemCerta vez, em um lugar onde penas caíam como chuva e onde pétalas padeciam mais rápido que uma faísca, um homem solenemente prostrou-se perante um trono flamejante e iniciou uma conversa. Falou sobre uma infinidade de assuntos e sobre mazelas e bênçãos que haviam caído em suas mãos. Uma voz vinda do trono – que encontrava-se vazio – pediu, então, detalhes sobre a trilha que tanto havia deixado calos nos pés do homem e da qual seu todo tanto se queixava.

Puxando o capuz que cobria a cabeça, Martino olhou para cima e começou:

“Cada palavra e ação deles me mandavam para o inferno, sem saber que eu já estava lá. Ecoava-se, em minha cabeça, com insistentes repetições, o pertinente questionamento: estou louco? Matava-me a curiosidade de saber se a insanidade já habitava meu ser. Disso eu não podia duvidar, levando-se em conta o fato de que eu estava oco, vazio. Meu seguro preenchimento evaporara, e deixara apenas minha carcaça para os parasitas mentais e psíquicos, que com muita vontade, salivando em ansiedade, se apossavam de meus mais particulares domínios. Sentia-me um zumbi, completamente à mercê das insanas vontades dos pensamentos vis que eu já não conseguia combater. Meu olhar vazio me denunciava, a tremedeira gritava para todos ao meu redor que eu estava fraco mentalmente, o pânico em minha feição era a obra de arte dos artistas da destruição, que orquestravam em mim seu mais novo plano.
Como monumento em ruínas, minha pessoa se decompunha. Ao meu redor, boas almas choravam lágrimas de – apesar de incansável esforço – impotente desejo de segurar cada tijolo que caía de minha estrutura. Eu mesmo lamentava a destituição daquilo que, até pouco tempo antes, julgava ser uma fortaleza inabalável e acolhedora. Sem forças de qualquer tipo, assisti passivo a tudo aquilo que me acontecia, como um camponês assiste à sua plantação ser tomada por uma praga.
Um baque surdo começou a atingir meu peito com timidez, repetidas vezes. Demorei um bom tempo para percebê-lo, mas quando isso aconteceu, gritei a mim mesmo: “Céus! Cá estava a cura, e eu nem a percebi!” E nem deveria, mesmo. Percebi, com felicidade, que o tempo era deveras cruel, assim como a dor, mas ambos eram supremos mestres, e eu os agradeço. Jamais uma rocha sólida chegou a ser David de Michelangelo sem sofrer, por longos períodos de tempo, constantes lacerações e lapidações. Pois foi o que me aconteceu. E agora, cá estou novamente, de volta, melhor do que nunca. Não há demônio ou algum de seus pseudo-seguidores que venha a jogar sequer uma farpa sobre minha renovada obra, meu renovado ser. E se houver algum que ousá-lo, digo: que tenha cara e coragem suficientes para peitar a mim e às asas que me circundam.
Findada está a época do excesso da suavidade e da polidez não merecida. A fleuma ainda existe, e sempre existirá, mas a premissa ‘ação e reação’ ganhou poltrona privilegiada à minha mesa.”

Ao fim do discurso, Martino sentiu compreensão emanando do trono enquanto estalos de madeira em brasas cortavam o silêncio. De trás dele, porém, uma voz expressou: “Não pude deixar de notar uma alteração de humor quando a ultima frase foi pronunciada. Entendo, porém, que você ainda está abalado, tenho tato – olhe como sou nobre – para perceber que o aprendizado está ajudando-o a se estabilizar com maestria.”

Martino reconheceu aquela voz com um arrepio, e alcançando rapidamente a parte de trás do trono, não menos do que arregalou os olhos ao confirmar a suspeita de quem estava ali.

 

 

A continuação será postada em breve.

 

Autor: Rafael Mendes da Silva

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